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A Arquitetura e o Urbanismo sempre foram a expressão mais evidente do caráter das diversas civilizações ao longo da história. Os poderes, cada qual a seu modo, perpetuaram seus princípios pelas obras que realizaram.   

A Arquitetura Moderna, pautada na ruptura às regras clássicas de composição, associou-se à ideia de liberdade, encampada, em sua maioria, pelos regimes progressistas e perseguida pelos conservadores. No Brasil, a Arquitetura Moderna tornou-se o símbolo da pretensão política de progresso, seja da esquerda ou da direita. Iniciada ainda na República Velha, teve, com Getúlio Vargas sua difusão, consagrando-se, no Brasil, durante os mandatos de Juscelino Kubitschek, no governo federal, de Carvalho Pinto, em São Paulo, por exemplo. Vê-se, então, que a Arquitetura Moderna está diretamente relacionada às obras públicas, sendo Oscar Niemeyer o arquiteto mais requisitado para projetos símbolos das gestões políticas até a sua morte, em governos de Jânio Quadros, Fernando Collor, Leonel Brizola, Orestes Quércia, Fleury Filho, Luiza Erundina, Marta Suplicy, Aécio Neves, Cássio Cunha Lima, dentre outros Brasil afora. 

A descrença no Estado como base da administração pública, levou o último governo a promover um voraz desmonte das suas instituições, como nunca antes visto. Sob o crivo ideológico da extrema direita, as áreas da cultura e da educação, mas não só, foram tomadas como a base de propagação dos princípios antidemocráticos em nome do conservadorismo, da fé e do anticientificismo. O desmonte do Estado implicou na negligência e mesmo na destruição do seu patrimônio cultural, destituindo corpo-técnico qualificado, esvaziando de sentido instituições relevantes, e tolhendo a representação mais ampla da sociedade nas decisões do o quê e para quem preservar.

Esta anticultura promovida pelo último governo federal, foi rechaçada pela maioria da população nas eleições presidenciais de 2022. Entretanto, o conservadorismo, o negacionismo e a intransigência política, sempre estimulados pelo seu incentivador, transformaram-se em uma tentativa de golpe de estado no dia 08 de janeiro, uma semana após a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

Os atos de barbárie e terrorismo praticados pela parcela da população apoiadora do último governo atingiram os edifícios que conformam os 3 poderes do Estado de Direito, em Brasília. A depredação dos edifícios modernos do Congresso Nacional, do Supremo Tribunal Federal e do Executivo (Palácio do Planalto) expõe a diferença entre a Arquitetura da Democracia e a obscuridade da destruição social e material. A praça dos 3 poderes é um logradouro público, sem grades. A Arquitetura Moderna é múltipla, sua variedade de formas e concepções é ampla. No caso de Brasília, os edifícios dos poderes são diáfanos, a transparência e a continuidade espacial que seus panos de vidro e suas rampas sugerem em relação à praça, é mais do que simbólica; na origem, era a promessa de uma nação democrática.

A depredação golpista não pode colocar em xeque a validade da Arquitetura voltada à Democracia.  Além da depredação dos edifícios da Praça dos 3 Poderes, Patrimônio da Humanidade,  a Arquitetura, conheceu no último período, ataques inusuais como a tentativa de privatização e descaracterização do Conjunto Esportivo do Ibirapuera, a proposta de venda do Palácio Capanema, a efetiva demolição de parte substantiva do Estádio do Pacaembu, que retratam alguns episódios-frutos da sanha imobiliária no país.           

Os arquitetos, urbanistas e todos os profissionais envolvidos com a preservação, necessitam de espaço para refletir e discutir soluções e formas arquitetônicas de convívio democrático, reavaliar as dimensões sociais da Arquitetura moderna e debater, em conjunto com a sociedade, a sua preservação nos tempos atuais. O XV Seminário Nacional do Docomomo Brasil se propõe a ser um desses espaços, trazendo para si, a tarefa de garantir a reflexão sobre o papel social da Arquitetura e do Urbanismo e suas relações com o poder, tarefa que devemos enfrentar para pensar o futuro.

Desta maneira esperamos receber trabalhos que reflitam sobre o tema ARQUITETURA E URBANISMO E A RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E DA SOCIEDADE  a partir dos seguintes eixos:

ARQUITETURA E URBANISMO E A RECONSTRUÇÃO DO ESTADO E DA SOCIEDADE

EIXOS TEMÁTICOS

EIXO 1 - ARQUITETURA E URBANISMO MODERNOS: PATRIMÔNIO CULTURAL E CAPITAL SIMBÓLICO

Os princípios da Arquitetura e do Urbanismo modernos contribuíram à reflexão do campo do patrimônio cultural, seja no reconhecimento dos bens culturais seja na sua preservação. A ampliação do campo profissional dos arquitetos para atender à demanda de novas tipologias e à adequação das cidades ao crescimento demográfico decorrentes dos novos meios de produção impôs a reflexão do significado desses bens na cultura de uma sociedade, associando-os às ideias de igualdade e liberdade. Esse capital simbólico levou a sua rejeição pelos regimes totalitários: nazismo na Alemanha, fascismo na Itália, stalinismo na União Soviética, e sua ampla aceitação pelos dirigentes progressistas, como no Brasil com Juscelino Kubitscheck, Carvalho Pinto entre outros. Não por acaso a recente depredação dos palácios de Brasília foi prontamente associada ao ataque à democracia. Entretanto, a preservação dos bens modernos não recebe a mesma atenção do Estado. As relações entre a Arquitetura moderna e o patrimônio cultural constituem uma ampla frente para investigações. 

Para este eixo esperam-se trabalhos que analisem a contribuição da Arquitetura moderna para o campo do patrimônio cultural, que identifiquem as relações entre Arquitetura e Estado, o inventário do patrimônio construído, registros dos profissionais envolvidos e o uso do seu capital simbólico.

EIXO 2 - ARQUITETURA E URBANISMO MODERNOS E OS NOVOS DESAFIOS DO SÉCULOS XXI

Comumente conectados a sua contemporaneidade, a Arquitetura e Urbanismo dialogam fortemente com as estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais em vigência. No entanto, essa conexão nem sempre contemplou a diversidade, a pluralidade e o multiculturalismo, sendo, inclusive, em alguns momentos de nossa história, instrumentalizados em prol dos interesses da elites econômicas em detrimento da coletividade. Por outro lado, destacamos que dentre as aspirações da Arquitetura moderna, destacavam-se a busca pela liberdade formal, a economia das construções e seu caráter social. Tratava-se de um projeto em diálogo com os ideais modernistas europeus, direcionados para as especificidades locais. Diversos arquitetos problematizaram e questionaram as possibilidades sociais da Arquitetura e do Urbanismo modernos no quadro do Estado e da sociedade brasileira. 

Para este eixo esperam-se trabalhos que contribuam para a ampliação de análises críticas sobre a Arquitetura moderna, avançando nos debates realizados pelos CIAM, pelas revisões críticas dos anos 1950 e pelos teóricos da pós-modernidade, congregando assim, uma abordagem em diálogo com os desafios que o século XXI coloca aos arquitetos e urbanistas. 

EIXO 3 - AS DIMENSÕES POLÍTICAS E SOCIAIS DA ARQUITETURA E DO URBANISMO NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO

A vanguarda histórica nas suas formulações de construção de um novo mundo, pretendeu tornar sua atividade arquitetônica, tanto política, como social. No Brasil, a arquitetura moderna, desde a sua origem, vinculou-se à construção do Estado-nação moderno com projetos de equipamentos sociais, infraestruturas e cidades. Nesse sentido, a dimensão social da Arquitetura e do Urbanismo modernos sempre esteve presente. As contradições do desenvolvimento nacional, sobretudo nas décadas de 1950 e 1960, agudizaram os debates sobre a dimensão social da arquitetura, conformando um dos períodos mais expressivos da produção teórica e profissional dos arquitetos urbanistas brasileiros. No debate internacional, as incertezas e limitações das ações políticas e dos resultados sociais da arquitetura moderna conduziram as concepções arquitetônicas a outras paragens. Sem examinar ou questionar esses novos caminhos, e já transcorridas décadas de toda sorte de revisões, há muitas necessidades sociais que, longe de serem atendidas, conheceram um grande agravamento. Necessidades, que a arquitetura e o urbanismo, podem auxiliar a mitigar, ou mesmo solucionar, sem imaginar, que outras disciplinas e mesmo a política não tenham um grande papel neste processo, como talvez, parte da vanguarda entendeu.  
Para este eixo esperam-se trabalhos que verifiquem, analisem e explorem experiências passadas, onde a questão social da Arquitetura e do Urbanismo modernos motivava os projetos, bem como trabalhos que reflitam sobre as possibilidades da (re)incorporação da dimensão social da Arquitetura e do Urbanismo na atualidade, quer do ponto de vista teórico, quer em termos de experiências, projetos e ações desenvolvidas nas últimas décadas.

EIXO 4 - AS TENSÕES ENTRE PÚBLICO E PRIVADO NA PRODUÇÃO DA ARQUITETURA E DO URBANISMO MODERNOS E NA GESTÃO DO PATRIMÔNIO MODERNO

A historiografia sobre o Movimento Moderno tem apontado a contribuição da esfera pública e do ambiente privado na produção da Arquitetura e do Urbanismo. Contudo, nota-se que ainda se pode avançar em reflexões acerca dos meandros entre estes dois entes, que muitas vezes tiveram seus limites borrados no país.
Para este eixo esperam-se trabalhos que analisem as tensões nas concepções de projetos modernos para os espaços da vida coletiva e da política, sejam de escala arquitetônica ou urbanística, e os atores sociais envolvidos; que explorem os conflitos contemporâneos sobre a salvaguarda da produção arquitetônico-urbanística do Movimento Moderno, problematizando as atitudes preservacionistas advindas de lógicas privadas de gestão que questionam ações atinentes aos ritos e práticas públicas; que contemplem estudos de casos, biografias de agentes preservacionistas do setor público e da iniciativa privada, e inventários de práticas de salvaguarda relacionadas às ações público-privadas.

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